quinta-feira, agosto 23, 2007

Ser Cristão Hoje

Decerto poucas nensagens houveram tão fortes quanto a deixada por Jesus de Nazaré, inscrita na história de modo tão perene e tão fecunda de significados. Talvez por isso o cristianismo tenha conhecido tantas divisões no seu seio. Talvez por isso nenhuma outra religião tenha conseguido mobilizar tanta gente, durante tanto tempo e por geografias tão diversas quanto a inspirada pela vida singular de Cristo e dos Apóstolos. Muito tempo passou desde então, muitos acidentes e glórias que provavelmente ninguém melhor do que João Paulo II soube reconhecer em nome da Igreja. Os dias de hoje correm vorazes e incertos, e talvez nunca a mensagem de Cristo tenha sido tão importante para nos guiar num mundo onde o materialismo parece ter tomado definitivamente conta dos nossos destinos. Por isso, hoje assumem partticular relevo os ensinamentos morais de Jesus, entre eles o amor a Deus e o amor ao próximo. Mas também o da vida enquanto bem inalienável pelos homens e o da família enquanto núcleo fundamental da sociedade. O desprezo pela vida humana e os sucessivos ataques ao conceito cristão de família poderão ser duas das principais causas do declínio de esperança e de sentido para a vida que hoje assolam os povos de muitas regiões do mundo. E entre elas o Ocidente modernizado e rico que tantas vezes confunde o virtuoso com o possidente, o belo com o bom e o justo com o legal. Um Ocidente que aparece cada vez mais hostil à filosofia e onde as implacáveis leis do mercado tendem a tornar-se para os governos das cidades como um direito de prescrição dos mercadores. Um Ocidente onde a ética parece ter-se reduzido à eficiência económica, e onde tende por isso a aceitar-se que as perdas de muitos possam ser justamente compensadas pelos ganhos de um cada vez menor número de pessoas. Ninguém pode estar a mais no mundo que Cristo nos revelou, pois como dizia Santo Agostinho o belo e o vil são acima de tudo também obras de Deus. E aos povos não pode ser negada a possibilidade de uma vida com dignidade, com sentido e com esperança. A política pode ter-se adulterado, reduzindo a justiça à panóplia das leis civis e submetendo-se temerosa aos ditames de uma economia global. Mas nem o que é legal é necessariamente justo nem um cidadão pode ser alguma vez reduzido a um vulgar quociente. É por isso que ser cristão implica coragem, força e inteligência. Implica resistir sem medo ao statu quo quando ele nos empurra para a degenerescência ou para a injustiça. Implica a não sujeição a uma visão materialista e mercantilista do mundo que reduz o homem à sua unidimensionalidade de consumidor. Pois não tem necessariamente razão quem vence, como bem no-lo mostrou Cristo ao deixar-se cruxificar pelos homens enquanto intercedia piedosamente por eles junto do Pai: «perdoai-lhes Senhor, que eles não sabem o que fazem». Urge ser cristão hoje, sem ressentimentos do passado e com os olhos postos no futuro, conscierntes do aviso que João Paulo II nos fez em poema: «se quiseres beber da fonte, terás de lutar contra a corrente».

Raquel Romão, In: Região de Cister (Publicado a 23 de Agosto de 2007)

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