sexta-feira, outubro 19, 2007

O Mosteiro de Cós: Breve Apontamento Histórico

O saque e a destruição do património monumental português tiveram o seu auge no período que mediou entre o crepúsculo do Ancien Régime e o dealbar da II República (Estado Novo). Particularmente devastadores foram o período das Guerras Peninsulares, no início do século XIX, com as sucessivas invasões do território português pelas tropas de Napoleão Bonaparte, e as primeiras décadas do século XX, com a implantação da República em Portugal. O clero e a nobreza, antes detentores da quase totalidade daquele património, perdem importantes privilégios e poderes o que explica, a par da circunstância histórica das invasões francesas (um episódio das Guerras Napoleónicas), a apropriação pelo Estado e pela burguesia endinheirada de alguns dos valiosos bens outrora pertencentes aos nobres e à Igreja. O ambiente cultural deste período foi marcado pelo combate entre a fé e o racionalismo, entre a Igreja (católica) e uma ideia novel de Estado, com a segunda a conquistar crescentemente terreno à primeira, como aconteceu no tempo de Sebastião José de Carvalho e Melo (Pombal), o iluminado déspota que acabou na prática, e muito bem, com os Autos-de-fé em Portugal. O clima de anticlericalismo iniciado por Pombal e continuado no essencial pelos liberais manteve-se, com alguns altos e baixos é certo, até ao século XX, altura em que viria a reacender-se com grande intensidade, desta vez alimentado pelo ideário político republicano, ainda inspirado pela já longínqua Revolução Francesa e pelos seus ideais jacobinos. E é assim que, a partir de 1910, os bens da Igreja e das Ordens Religiosas são novamente objecto de saque, desta vez sob os auspícios da proclamada República. Não é por isso fácil determinar com rigor qual o período em que terão sido maiores os estragos infligidos ao património monumental de Cós, e muito particularmente ao seu Mosteiro cisterciense. Sabe-se que a terceira invasão pelas tropas francesas foi particularmente devastadora: em 1811 o Mosteiro de Alcobaça foi saqueado e incendiado pelas tropas do conde d'Erlon, e antes a cidade de Leiria havia sido ocupada e pilhada pelos franceses sob o comando do general Masséna. Sabe-se também que durante o período correspondente à I República (1910-1926), o complexo monástico de Cós foi ocupado (e saqueado) por privados e sujeito a total abandono por parte do Estado (também parte do Mosteiro de Alcobaça, na sequência da extinção das ordens religiosas decretada em 1834, fora vendido em hasta pública a privados, após as pilhagens populares ocorridas no ano anterior). O reconhecimento pelo Estado do interesse público do Mosteiro de Cós, convém lembrá-lo, acontece somente em 1946! Mas se desta segunda leva de saques e pilhagem existem vários registos e até algumas memórias vivas, já do fugaz período das invasões francesas, entre 1807 e 1811, os registos documentais e a memória são extremamente pobres. Este é talvez dos períodos da história recente aquele que mais profundamente poderá ter marcado o Mosteiro de Cós, mas que infelizmente parece ser também um dos menos conhecidos e estudados.

Raquel Romão, In Região de Cister, 2-11-2007

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