sexta-feira, janeiro 25, 2008

Da imprescindível ética, nos negócios e na política

A economia americana vai mal, reconhecem os analistas. E a europeia segue o mesmo caminho, para surpresa de alguns. As consequências previsíveis são as de sempre: mais desemprego e aumento do custo de vida. Para os mais pessimistas, talvez mesmo uma recessão económica generalizada, idêntica à grande depressão de 1929. As razões são-nos próximas: andámos durante mais de uma década a comprar casas com excesso de optimismo quanto ao futuro, por um valor muito superior ao seu valor real, graças aos fantásticos créditos à habitação “oferecidos” pelos bancos comerciais. Criou-se a designada “bolha” imobiliária que a realidade, essa eterna inimiga do crescimento económico, não pode manter. O mercado da connstrução começou a “arrefecer”, arrastando consigo um sem-número de mercados conexos. O desemprego aumentou, como era inevitável. E muitas famílias viram-se impossibilitadas de pagar as prestações da casa. Dois bancos americanos entraram em crise, e o pânico mundial instalou-se. Tudo isto aconteceu sob o olhar complacente dos governos e dos bancos centrais, que são moralmente responsáveis pelo sucedido. Por nos prometerem o que não havia para dar. Por deixarem que a ilusão dominasse sobre a realidade. Governar não pode ser, como foi e continua ainda a sê-lo, um exercício de puro ilusionismo. E confiar o governo de uma economia nacional, ou regional como é o caso da UE, a essa mão invisível da globalização, equivale a abandonar-nos ao nosso destino, fazendo com que questionemos a necessidade de governos nacionais ou para-federais. E sobrecarregar-nos simultaneamente com mais impostos e perdas reais de regalias sociais, isso significa maldade política, como que uma inaudita declaração de guerra feita pelos governos democráticos aos povos que os elegeram. Mas o que releva de tudo isto é uma enorme falta de ética que terá transbordado dos negócios para a política, ou vice-versa: para o efeito tanto faz. A par das dificuldades de milhões de famílias, ocorreu que nunca os grandes grupos económicos (sem pátria) terão ganho tanto dinheiro, e nunca como antes tanto capital terá sido acumulado por um tão reduzido número de pessoas. Se a nível nacional a famosa mão invisível de Adam Smith já dera sinais de grande fraqueza, com esta globalização (mais financeira que económica, note-se) chegaram as evidências de que ela definitivamente não funciona. A falta de ética nos negócios é uma história antiga. Mesmo nas economias de casino assentes em ganhos de bolsa tantas vezes especulativos a ética é importante. Mas o jogo convive com regras pouco éticas: como podem por exemplo as acções de uma empresa subir vertiginosamente sempre que esta anuncia despedimentos em massa? Que raio de ética é essa em que os accionistas podem embolsar milhões à custa do aumento do desemprego e do sofrimento de vidas humanas? Regras estas que se emaranham na política, seguindo sempre a velha máxima utilitarista. Os investidores estrangeiros afastam-se dos países cujas leis laborais protejam demasiado os trabalhadores. E a banca internacional desconfia dos governos que cuidem demasiado dos bens civis dos seus cidadãos (a vida, a liberdade, a propriedade...). E quem regula tais investidores e banqueiros? Quem assegura que o dinheiro é limpo ou que os métodos usados são aceitáveis e respeitam os direitos humanos? Sem regulação dos negócios globais pode chegar o dia em que assistiremos, dentro do nosso enferrujado bidon de 200 litros, ao discurso de Natal de sua excelência o primeiro-ministro, anunciando espantosos crescimentos do PIB ou das exportações, ou fantásticas reduções do défice público. Só não poderá é falar das razões de tais “sucessos”. Por elas não serem eticamente aceitáveis. Urge a ética na economia e nos negócios. Urge separar o PIB bom do PIB mau, que é aquele conseguido à custa da precarização de vidas humanas ou até da própria desgraça. O PIB não pode aumentar, como o faz, quando dois carros colidem numa estrada. E os negócios não podem continuar a florescer à custa da nossa liberdade e da nossa segurança.

Raquel Romão

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