Sonho de Benta de Aguiar, por Xavier Zarco
Xavier Zarco, um poeta coimbrão que concorreu ao PRADBA 2007 na modalidade de Poesia, escreveu um poema que aqui partilhamos convosco, e que está disponível também aqui. Chama-se Sonho de Benta de Aguiar. O Bazar das Monjas envia daqui ao poeta um grande abraço e o nosso Obrigados!
Sonho de Benta de Aguiar
Beati mortui, qui ni Domino moriuntur
1.
há um cordeiro preso ao ventre
do vento que erra
ninguém escuta o seu balido
a sua súplica
dar-se-ia em sacrifício
pelo rei que vacante deixa o trono
2.
uma opala esventrada
onde o grito da mandrágora
incendeia o mel
rente à tez de uma palmeira
é cinza ou sombra
é dânaca na boca do devir
3.
escuta
uma safira fendida habita
na voz
de um espinho de acanto
escuta o seu grito
que o vento na pedra esculpe
4.
vê
onde o sal se entrega
lúcido
ao corpo do mar
vê as mãos que nascem
para a colheita das lágrimas
5.
ao longe um lírio do vale
dá-se às chamas
de um perene loureiro
que de encantado
cai
tentado pela própria sombra
6.
e sangra uma orquídea
tomba na planura
junto à tumba de uma pomba
coroada de espinhos
quando ainda alva era
a baga da amoreira
7.
desenha-se a escada após o arco
onde brotam jacintos
violetas
mas o olhar repousa no dorso
de uma corda
esquece a chave esquece o pó a via
8.
reclama as mãos a boca o fruto
da beladona reclama
o gesto
que as mãos inventam
para saciar a boca
enamorada por um olhar
9.
na ara onde o pão e o vinho se revelam
para o mistério das anémonas
três peixes
em círculo se esboçam em sangue
feridos que estão por sentirem
o corpo em queda de um narciso
10.
um cometa incendeia o coração
das noites e dos dias da ventura
com seus ígneos cabelos
que entre as unas mãos ergue o canto
supremo
de um supremo desígnio a cumprir
11.
veio de ouro e prata
de pedras preciosas de marfim
esta rosa amarela
qual sereia
que canta a fortuna
que oculta e enfeita a desgraça
12.
tomba o ceptro sobre o manto
desfalece o arminho
o globo fende-se
na oferenda da rosa a mão dextra
quando a sinistra afaga o trono
onde vacante a coroa jaz
13.
há passos cansados gravados
na areia são passos
que avançam órfãos de um norte
que tendo não têm são passos
dados em redor da glória
que o destino dos passos negará
14.
semeia-se a vasta terra
com o silêncio onde antes o ferro
reclamava a herança
que o martelo na bigorna
lhe legara
em rubra condição
15.
há ciprestes frondosos onde o olhar
se estende pelo campo da peleja
e três sombras
duas de negro erigidas
e outra de ignota color
que de seus sólios se ausentam
16.
mas ergue-se um carvalho na distância
na exacta mesura da espiga
de trigo
e sentem-se os passos
na conquista da luz da serena
luz que brota do sulco de um arado
17.
um tempo que se escreve pelo tronco
de uma faia
fulge no olhar
há um lebreu que se ergue contra a loba
promete e planta
a delicada flor do jasmim
Xavier Zarco