quinta-feira, outubro 25, 2007

UM REENCONTRO COM A HISTÓRIA, DE 3 a 30 DE NOVEMBRO NO BAZAR DAS MONJAS

apresenta

UM REENCONTRO COM A HISTÓRIA

Exposição da Provável Cabeça de Uma Estátua de São Bernardo de Claraval, Datada de 1669, Após Mais de Um Século de Ausência do seu Lugar Original, Um Nicho Exterior Situado no Lado Sul da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Cós


Inauguração da Exposição: dia 3 de Novembro de 2007, pelas 15 horas

Patente ao Público até dia 30 de Novembro de 2007

Diariamente das 13:00 às 23:00 horas

(excepto às Segundas-Feiras)


Bazar das Monjas de Coz – Projecto Cultural

R. Prof. José dos Santos Teodoro, 24

2460 – 396 Cós ◦ Alcobaça ◦ Portugal

Tel. & Fax ++ 351 - 262 544 227
Tlm. ++ 351 - 91 904 16 13

www.bazardasmonjas.blogspot.com

bazardasmonjas@gmail.com


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HISTORIAL DE UM PERCURSO

O saque e a destruição do património monumental português tiveram o seu auge no período que mediou entre o crepúsculo do
Ancien Régime e o dealbar da II República (Estado Novo). Particularmente devastadores foram o período das Guerras Peninsulares, no início do século XIX, com as sucessivas invasões do território português pelas tropas de Napoleão Bonaparte, e as primeiras décadas do século XX, com a implantação da República em Portugal. O clero e a nobreza, antes detentores da quase totalidade daquele património, perdem importantes privilégios e poderes o que explica, a par da circunstância histórica das invasões francesas (um episódio das Guerras Napoleónicas), a apropriação pelo Estado e pela burguesia endinheirada dos valiosos bens outrora pertencentes aos nobres e à Igreja.

O ambiente cultural deste período foi marcado pelo combate entre a fé e o racionalismo, entre a Igreja (católica) e uma ideia novel de Estado, com a segunda a conquistar crescentemente terreno à primeira, como aconteceu no tempo de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), o iluminado déspota que acabou na prática, e muito bem, com os Autos-de-fé em Portugal. O clima de anticlericalismo iniciado por Pombal e continuado no essencial pelos liberais manteve-se, com alguns altos e baixos é certo, até ao século XX, altura em que viria a reacender-se com grande intensidade, desta vez alimentado pelo ideário político republicano, ainda inspirado pela já longínqua Revolução Francesa e pelos seus ideais jacobinos. É assim que, a partir de 1910, os bens da Igreja e das Ordens Religiosas são novamente objecto de saque, desta vez sob os auspícios da Proclamada I República.

Não é por isso fácil determinar com rigor qual o período em que a suposta cabeça da estátua de S. Bernardo de Claraval terá sido retirada do seu lugar original.

Se nalgum destes períodos de violência anti-religiosa em particular, ou se em outro qualquer momento menos marcado pelo curso da História. Inclinamo-nos porém a pensar que as marcas de balas existentes em redor do seu nicho poderão ser o resultado de disparos de mosquete dos militares franceses, talvez já em debandada do país após o logro de Masséna nas linhas de Torres Vedras em 1811, no término da terceira e última das invasões, ou talvez anteriormente, por exemplo durante a ocupação da cidade de Leiria ainda durante a terceira invasão. Recorde-se que também em 1811 o Mosteiro de Alcobaça fora saqueado e incendiado pelas tropas francesas do conde d'Erlon, com a destruição dos túmulos de D, Inês e D. Pedro. A força das balas das tropas do exército francês poderá assim ter provocado o desprendimento da cabeça que, ao embater no chão após uma queda de cerca de sete metros de altura, se terá danificado visivelmente, quebrado-se-lhe o nariz e parte do queixo.

Uma história com mais de um século

Tratando-se de um objecto cujo valor era não mais do que simbólico, a cabeça terá sido abandonada naquele ou noutro local não muito distante dali, até ao aparecimento de alguém que decidiu guardá-la para que mais tarde lhe fosse restituída alguma dignidade. Não se sabe quem terá sido; sabe-se apenas que, quando no início do século XX o bisavô de Nuno Monteiro, o Sr. Manuel Vicente Pulquério, adquiriu o velho lagar situado a poucas dezenas de metros do Mosteiro de Cós, a cabeça da estátua ocupava já um nicho numa das paredes do referido lagar. Era aí que o antigo proprietário, o Sr. Rafael Marques, a mantinha, cuidadosamente protegida dos efeitos naturais do tempo, o que preservou nela, como diria Marguerite Yourcenar, aquela beleza involuntária que hoje possui e que lhe advém neste caso unicamente dos acidentes da História. Ninguém sabia exactamente do que se tratava, e era frequente os amigos de visita à adega gracejarem referindo-se à “cabeça do Santo António”.

Deve esclarecer-se aqui que há cerca de um século vivia-se o período correspondente à I República (1910-1926), durante o qual o complexo monástico de Cós viria a ser ocupado (e saqueado) por privados e sujeito a total abandono por parte do Estado (também parte do Mosteiro de Alcobaça, na sequência da extinção das ordens religiosas decretada em 1834, fora vendida em hasta pública a privados, após as pilhagens populares ocorridas no ano anterior). O reconhecimento pelo Estado do interesse público do Mosteiro de Cós, convém lembrá-lo, acontece apenas em 1946. Isto para sublinhar que quando o Sr. Manuel Pulquério, e antes dele o Sr. Rafael Marques, viram na sua propriedade a peça que agora expomos publicamente, eles não sabiam minimamente do que se tratava, e não tinham o dever objectivo de a entregar a alguém ou a alguma instituição em particular. A História encarregara-se de expropriar os bens da Igreja, a quem outrora a peça legitimanente pertencia, e o Estado portugês, então seu principal motor, sancionara a venda a privados dos bens outrora propriedade eclesiástica. De pouco ou nenhum valor à época, a cabeça de pedra conservou-se tal como está unicamente graças à sensibilidade destas pessoas. Seria por isso da mais elementar injustiça alguém pensar em acusá-las agora de terem um dia mantido no seu lagar algo que não lhe pertencesse ou cujo dono, a existir, pudesse ser considerado legítimo.

Questões Jurídico-Legais

Nuno Monteiro, que viveu grande parte da sua vida em Tires (concelho de Cascais), onde seus pais Armindo Monteiro e Maria do Carmo Vieira cedo fixaram residência, herdou de seu bisavô materno, após o falecimento de seu pai, o velho lagar hoje situado na Rua Prof. José dos Santos Teodoro, em Cós. E foi aí que se manteve zelosamente guardada a peça, bem à vista de quem entrasse, sem que o Nuno ou o seu pai tivessem tido alguma vez certezas quanto à sua origem. O que havia eram algumas suspeitas, recentemente surgidas, de que podia talvez tratar-se da cabeça da decapitada estátua de S. Bernardo, suspeitas essas que se foram adensando, sem mesmo assim se converterem em certezas, após o estudo e a consulta a alguns especialistas em arte sacra realizados no âmbito do projecto cultural do Bazar das Monjas de Coz.

Colocava-se agora a questão júridico-legal relativamente ao eventual dever de entrega da peça a alguma entidade competente, designadamente ao IGESPAR. Consultados os especialistas, as conclusões davam ênfase ao facto de a peça fazer parte da propriedade adquirida há cerca de cem anos e de não ter sido descoberta recentemente, por exemplo em resultado de uma qualquer operação de escavação ou de demolição, pelo que não existia neste caso uma clara obrigação legal que pudesse determinar a sua entrega. Colocava-se ainda assim a questão de se saber, caso pudesse persistir alguma espécie de obrigação moral nesse sentido, a quem deveria a peça ser entregue: se à Igreja, original proprietária do bem; se ao Estado que legislara no sentido da expropriação e posterior venda em hasta pública dos bens imóveis da Igreja, ou se ainda a algum descendente dos proprietários que no passado adquiriram títulos legais de propriedade referentes a tais bens. Ou seja, para além de não ser clara a existência de um dever de entrega, subsistiam ainda dúvidas quanto è legítima entidade à qual, a confirmar-se um hipotético dever moral ou subjectivo, deveria ser feita a entrega.

A situação, algo complexa, seria nesta perspectiva comparável à de tantos outros objectos em pedra gravada pertencentes ao complexo monástico, muitos deles de valor patrimonial e/ou artístico não negligenciável, e que outrora foram sendo utilizados pela população local como materiais de construção e até decorativos nas suas casas. Aconteceu isto, por exemplo, com muitas das pedras dos túmulos das abadessas, outrora existentes na destruída Sala do Capítulo. Se porventura o Nuno, ou alguém antes dele, tivessem a obrigação legal de entregar ao Estado a suposta cabeça da estátua, então fazia sentido que o mesmo acontecesse com todas as demais peças e elementos arquitectónicos existentes um pouco por toda a zona envolvente do Mosteiro de Cós, alguns deles bem à vista de toda a gente, e que acabaram por integrar a propriedade de privados, não obstante o seu indiscutível valor patrimonial.

Pesassem embora tais conclusões, e após os estudos realizados pela equipa do Bazar das Monjas que apontavam com grande probabilidade para a autenticidade da peça, o Nuno não hesitou em optar mesmo assim pela sua entrega a quem de direito, porém aproveitando a oportunidade para de alguma forma alertar as autoridades públicas para a necessidade de uma reflexão séria sobre estas questões, bem como quanto à estratégia a adoptar para o desenvolvimento do anunciado projecto de requalificação da zona envolvente do Mosteiro de Cós. O Bazar das Monjas de Coz, a quem Nuno Monteiro confiou a guarda da peça tendo em perspectiva a sua eventual entrega, agradece a grande confiança em si depositada, e saúda publicamente o seu gesto de grande elevação moral e de altruísmo.

OBJECTIVOS DA EXPOSIÇÃO

São dois os objectivos desta exposição:

  1. Alertar as autoridades competentes, e o público em geral, para a existência desta peça, a qual será entregue à entidade ou entidades que publicamente assumirem o restauro da decapitada estátua de S. Bernardo existente no Mosteiro de Cós, após a realização das diligências que considerem necessárias para a confirmação da sua autenticidade; tal entrega, quando e se vier a acontecer, será devidamente publicitada pelo Bazar das Monjas de Coz;

  1. Sensibilizar as autoridades públicas para a importância do envolvimento da comunidade local e das suas instituições no anunciado projecto de requalificação da envolvente do Mosteiro de Cós.

Restaurar Cós, na alvorada do século XXI, (...) pressupõe um diálogo cultural mais intenso com a população local.

In: Cristina de Pina e Sousa e Saul Gomes, Intimidade e Encanto: o Mosteiro Cisterciense de Sta. Maria de Cós. Leiria: Edições Magno (1998, p. 177)

QUEM FOI S. BERNARDO?

[...] a ignorância, ou melhor, as ignorâncias, porque, como lembrais, há duas ignorâncias: a de nós próprios e a de Deus. E vos aconselhava a evitar uma e outra, pois ambas são perdição.

Bernardo de Claraval (1090-1153), Sermão sobre o Conhecimento e a Ignorância

Bernardo de Fontaine, fundador e primeiro abade do Mosteiro de Claraval, nasceu em Dijon, capital da Borgonha, em 1090, e faleceu em Claraval em 1153. Foi o grande propagador da Ordem de Cister, fundada por S. Roberto de Molesme no Mosteiro de Cister em 1098. Temperamento fogoso e grande escritor, São Bernardo foi uma das personalidades mais influentes da primeira metade do século XII, e que terá tido um papel muito importante no reconhecimento pelo Papa da independência do reino de Portugal. O escritor Agostinho da Silva chegou a escrever que «a fundação de Portugal é acto inteiro da potência mística e de acção de São Bernardo, o de Claraval», o que será talvez um pouco excessivo, mas esta opinião realça bem a grande e indubitável influência do Santo nos assuntos do seu tempo. Personalidade complexa e apaixonada, São Bernardo luta sem rodeios contra as heresias e heterodoxias da época. Místico, poeta do amor divino que nunca se cansa de comentar em belíssimas homilias e tratados de teologia, defende a ideia de que tudo, na ascenção do homem para Deus, deve começar pelo conhecimento de si mesmo. É a via necessária para a união com Deus. «Meu Deus, fazei com que eu vos conheça e que eu me conheça. […] É do céu que nos chega este conselho: conhece-te a ti mesmo, oh homem.» Conhecer-se a si mesmo é conhecer a sua miséria e a necessidade do auxílio divino. Quando se tornou monge, aos 22 anos, junto com trinta familiares e amigos, o Mosteiro de Cister ainda era uma casa de futuro incerto, muito pobre, alvo de críticas por parte de outras ordens que julgavam a reforma cisterciense excessiva. No final da sua vida já estavam estabelecidos 243 mosteiros cistercienses em toda a Europa, 60 dos quais fundados pelo próprio Santo. Escrevia assim São Bernardo a propósito da Quaresma e da falta de coerência de muitos cristãos do seu tempo:

Porque é que o jejum de Cristo não é vulgar entre os cristãos? Porque é que os membros não seguem a Cabeça? (Col 1,18). Se recebemos os bens desta Cabeça, não suportaremos os males? Queremos nós rejeitar a sua tristeza e participar das suas alegrias? Se é assim, mostramo-nos indignos de fazer corpo com esta Cabeça. Porque tudo o que ele sofreu, foi por nós. Se nos repugna colaborar na obra da nossa salvação, em que é que mostraremos as suas ajudas? Jejuar com Cristo é pouca coisa para aquele que deve sentar-se com ele à mesa do Pai. Feliz o membro que tiver aderido em tudo a esta Cabeça e a tiver seguido por onde quer que ela tenha ido (Ap 14,4). Por outro lado, se ele vier a ser cortado e separado, será imediatamente privado do sopro da vida…

Para mim, aderir completamente a ti é um bem, ó Cabeça gloriosa e bendita por todos os séculos, sobre a qual os anjos também se inclinam com cobiça (1 Ped 1,12). Eu seguir-te-ei por onde quer que fores. Se passares pelo fogo, não me separarei de ti, e não temerei nenhum mal, porque tu estás comigo (Sl 22,4). Tu carregas as minhas dores e sofres por mim. Tu, o primeiro, tu passaste pela estreita passagem do sofrimento para abrires uma grande entrada aos membros que te seguem. Quem nos separará do amor de Cristo? (Rom 8,35) … Este amor é o perfume que desce da cabeça sobre a barba, que desce também sobre a gola da veste, para a olear até ao mais pequeno fio (Sl 132,2). Na Cabeça encontra-se a plenitude das graças, e dela recebemos tudo. Na Cabeça está toda a misericórdia, na Cabeça o excesso dos perfumes espirituais, como está escrito: “Deus te ungiu com o óleo da alegria” (Sl 44,8) …

E nós, o que é que o evangelho nos pede no início desta Quaresma? “Tu, diz ele, quando jejuares, perfuma a cabeça” (Mt 6,17). Admirável condescendência! O Espírito do Senhor está sobre ele, ungiu-o (Lc 4,18), e contudo, para evangelizar os pobres, ele diz-lhes: “Perfuma a tua cabeça”.

S. Bernardo de Claraval, Sermão 1 para o primeiro dia da Quaresma, 1, 3, 6

1Davy, M.-M. (2005) – Bernardo de Claraval: monge de Cister e mentor dos cavaleiros Templários. Lisboa: Edições Ésquilo.


FICHA TÉCNICA

Título: Exposição da Provável Cabeça de Uma Estátua de São Bernardo de Claraval, Datada de 1669, Após Mais de Um Século de Ausência do seu Lugar Original, Um Nicho Exterior Situado no Lado Sul da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Cós.

Organização: Bazar das Monjas de Coz – Projecto Cultural

Coordenação: Raquel Romão

Pesquisa Bibliográfica e Textos: Valdemar Rodrigues e Raquel Romão

Tratamento de Imagem: Valdemar Rodrigues

Concepção e Montagem da Exposição: Raquel Romão, Nuno Monteiro e J. Elias Jorge

Fotografia: J. Elias Jorge

Catalogação e Registo Informático: Teresa Elias

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